Sofia tinha os olhos fixos na tela, hipnotizada pelo vasto horizonte africano que se desenrolava em sua sala. O Rei Leão rugia, e ela, com seus sete anos e um pacote de pipoca quase vazio no colo, sonhava em correr por aquelas savanas, conhecer um guepardo, tocar a juba de um leão, talvez até dar um abraço em um suricate. "Mãe, um dia eu vou para a África", ela declarou, a voz esganiçada pela emoção, enquanto Simba recebia a bênção de Rafiki. Do lado de fora, a tarde em Lucas do Rio Verde seguia seu ritmo quente e úmido. Sofia morava em frente ao Parque dos Buritis, uma ilha verde no meio da expansão urbana. Para ela, o parque era um quintal gigante, cheio de árvores altas, macacos que às vezes apareciam no telhado e o canto constante dos pássaros, principalmente das araras. Mas não era a África. Não tinha zebras, nem elefantes, e muito menos leões. Enquanto a pequena Nala chamava Simba para brincar na tela, uma sirene cortou o ar. Não era o som de um vulcão em erupção, nem o chamado de um leão para sua matilha, mas algo mais familiar e, ainda assim, estranho. Sofia mal notou, imersa que estava na história da Pedra do Reino. Lá fora, porém, a cena era outra. Uma guarnição do Corpo de Bombeiros, com seu caminhão vermelho e homens uniformizados, cercava a rua. Vizinhos curiosos se aglomeravam. E no centro da atenção, um animal grande, de cor marrom acinzentada e focinho comprido, estava encurralado perto do muro do Parque aos fundos da sua casa. Era uma ANTA. Provavelmente havia saído da reserva, que tem ligação como o parque, em busca de comida ou água, ou procurando um novo habitat, e se perdido ao fundo do parque. Os bombeiros agiam com cuidado, tentando conter o animal sem assustá-lo ainda mais. A anta, por sua vez, parecia confusa, desorientada com a presença humana e o barulho. Ela não rugia como Mufasa, nem trotava com a graciosidade de um filhote de zebra. Apenas respirava pesadamente, seus olhos escuros refletindo o brilho da tarde. Sofia, alheia a tudo, ria das trapalhadas de Timão e Pumba. "Mãe, você acha que as hienas são realmente más?", ela perguntou, mastigando a última pipoca. Sua mãe, olhando pela janela, com um sorriso enigmático no rosto, respondeu: "Às vezes, as maiores aventuras estão mais perto do que a gente imagina, minha filha. E nem sempre são barulhentas." A anta foi finalmente imobilizada com segurança pela guarnição e levada de volta para um reserva mais distante do centro urbano, para o seu habitat natural. De frete a tela, Sofia continuou sonhando com a África e seus animais exóticos. Ela ainda não sabia que, bem ali, aos fundos da sua casa, em seu quintal, um pedaço da vida selvagem brasileira havia feito uma breve visita. Um animal que, apesar de não ter o glamour cinematográfico de um leão ou a velocidade de um guepardo, era tão selvagem e fascinante quanto qualquer criatura da savana. Talvez, um dia, ela percebesse que a África de seus sonhos não era o único lugar onde a natureza reinava em sua plenitude, e que Lucas do Rio Verde, com seu Parque dos Buritis, guardava seus próprios encantos e aventuras.