É Maio, mês, mãe, Maria, talvez o mais feminino dos meses, pois abriga significados que permitem interpretá-lo assim. Reza a lenda que Maio vem de uma homenagem a uma deusa chamada Maia, que “abrigava em uma caverna seus amores com Zeus, o que resultou no filho, Hermes, nome que ressoa tanto na mitologia quanto na cultura literária, e permite, por sua natureza, decodifica-lo como mediador entre mundos, o divino e humano, e ainda como mensageiro, pois seu arquétipo é evocado em narrativas simbólicas por possuir asas nos pés.
Outro mito liga o mês de maio às flores, celebração, fecundidade. Simbolicamente ligado à primavera do distante hemisfério, habita no mês uma outra primavera, o que tem profunda ressonância ao dia das Mães; É Maio, outra vez, e as escritas não celebram, assonantemente , meu hoje foge, há flores murchas, ausência de sol, sente a dor de Deméter e Perséfone, Mãe filha separadas em dois mundos, sucumbe à vontade de Deus, dos deuses, do tempo, da Senhora que possui o fio de todos os destinos. Maio, também é morte.
Para Sempre, assim questionou o poeta: “Por que Deus permite que as mães vão-se embora? ” . Por que?
Perdi a mulher da minha vida no dia 8 de março, e essa foi a pior das dores que já experienciei. No entanto, essa dor que é tão única, tão minha, desdobrou-se ao olhar para a realidade de tantas outras mulheres, amigas, que também viveram a triste hora de beijar o rosto gélido da Mãe.
Minha dor encontrou dororidades irmãs, e nessa irmandade desterrosa, chegamos a uma conclusão comum: Não, as mães não morrem. Elas se encantam.
A luz maternal é intensa demais para se apagar na morte, e as mães tornam-se tempo. Todos dizem “o tempo vai passar, a dor vai deixar de doer tanto”. Incrédula disso, hoje penso que a dor da perda é também a presença da mãe, não há como passar por esse vale de lágrimas sem sofrer, é preciso chorar, como se as lágrimas pudessem limpar alma e ouvidos da terrível notícia da perda da mãe. E ao sair desse lugar, sei que a dor não irá embora. É preciso nesse momento rimar amor com dor. É preciso chorar, sangrar por dentro, até que em algum instante o turbilhão de ausências se transmutem para lembrança, e depois memória.
“Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio. Mãe, na sua graça, é eternidade”.
Drumondiando a perda, enxergo na ausência física esse eterno de mãe, que se estende nos mínimos cuidados espalhados em minha existência. Ela, a mãe, está nos traços do meu rosto, no tempero do feijão, na arte do arroz soltinho. No jeito metódico de estender as roupas, por cores e peças pares. Ah, ela também está na música que escuto. Ninguém no mundo todo, teria a doçura de ninar sua filha ao som de "Skyline Pigeon”. Música que ela sempre amou por estar em um vinil que ganhou de meu pai ainda quando namoravam.
Minha mãe voou para terras distantes, para um céu de Mães, onde elas se abraçam, e consolam umas às outras, a saudade dos filhos que ficaram aqui.
Imagino-a com asas imensas, azuis (sua cor preferida), e até mesmo com certo brilho, pois ela é, (e não, ainda não consigo dizer foi), a pessoa mais brilhante que já conheci.
“Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho”... Ah Drummond, queria eu que, em uma conversa, no final da tarde, sentado com Deus pelas praças do céu, o Senhor lhe ouvisse, e mudasse essa sentença tão cruel de perder Mãe.
Vou caminhando agora, não sei o tempo que tenho, perdi o medo da morte, ao menos, pois sei que do outro lado ela estará.
Penso na Mãe, meu pássaro azul, ouvindo nossa canção de amor, e sigo, esperando pelo dia em que poderá abrir suas asas, e me abraçar novamente, com esse amor de eternidade, que só a mãe encerra.
Para Georgina Maria, minha mãe.
¹O termo não é dicionarizado nem convencional, em caráter excepcional e poético, sugere aqui algo como “confusamente” ou “desordenadamente” devendo ser compreendido como um neologismo de uso figurado ou estilístico. ²Trecho do poema Para Sempre, de Carlos Drummond de Andrade. ³Idem